segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Casar é uma cruz


O casamento é normalmente entendido como um contracto entre duas partes, um homem e uma mulher.
Como qualquer contracto, os seus termos e manutenção dependem da vontade das partes. Que são duas. Um contracto entre duas partes mantém-se enquanto for do mútuo acordo. Se eu entender denunciar o contracto com o meu fornecedor de água ou de electricidade, o contracto deixa de existir, bem como as obrigações mútuas entre mim e o fornecedor. Ele não tem que me fornecer mais energia eléctrica, ou água, e eu não tenho mais que pagar. Da mesma maneira que eu, também o fornecedor de água ou electricidade poderia suspender sem razão o meu fornecimento. Coisa que todos concordamos que seria injusto, mesmo desumano. Essa situação é normalmente prevista na lei: o fornecedor de água e o da electricidade não podem sem razão prevista na lei suspender o fornecimento. Afinal, neste contracto que existe entre mim e a empresa que me fornece electricidade não somos apenas dois: além de mim e da empresa fornecedora, está o Estado com o seu poder legislativo, executivo e judicial para fazer valer o contracto em todo o seu tempo de vida.

A diferença entre o casamento que é uma instituição natural na sociedade humana e o matrimónio, que é o mesmo casamento natural com a chancela de sacramento celebrado na Igreja é justamente o número de contraentes.
O casamento como instituição natural é celebrado entre um homem e uma mulher. Sabemos que desde tempos muito antigos as comunidades em que os noivos viviam sentiram a necessidade de testemunhar esta união, assinalando o casamento com festas em que participavam as famílias e comunidades a que pertenciam os noivos.
A importância do casamento como marco instituinte da família, a mais pequena porção da sociedade, revestiu, a partir de certo momento a celebração do casamento de carácter religioso: a presença do divino. As pessoas, em diversas culturas distribuídas pelo planeta e sem se relacionarem, entenderam que a união fundadora de um homem e uma mulher tinha algo de sagrado.



O chamado registo civil surge historicamente numa terceira etapa e muito posterior, é uma novidade em termos históricos. Surge primeiro o casamento instituição natural, depois o casamento celebrado religiosamente e só finalmente o registo civil, que vem oficializar perante a administração do Estado uma situação natural, com ou sem registo religioso.

Ora, o matrimónio não é um contracto celebrado entre duas partes, mas entre três partes. Por isso, é um sacramento. Talvez por culpa da própria Igreja, esta particularidade não tem sido enfatizada devidamente. Realizam-se festas nos templos católicos sem a noção do que se está a fazer. Como se se estivesse a oficializar uma união natural ou um registo civil, mas numa igreja, com um padre devidamente paramentado, com a facilidade de obter lindas fotografias com a arte da igreja por fundo, mais a decoração de flores que os noivos tratam de encomendar.

É preciso explicar às pessoas que recorrem ao casamento religioso, isto é, que pedem à Igreja o sacramento do matrimónio, o que estão a fazer. Pois, sabemos que existem cursos de preparação para o matrimónio, mas também sabemos que as pessoas os frequentam e depois agem como se não os tivessem frequentado, agindo em desconformidade com os mesmos. Chegam a separar-se definitivamente depois de algumas semanas de casamento, menos que aquelas que despenderam a frequentar o curso de preparação para o matrimónio. A que se deverá isso?

Deve ser ensinado aos noivos que pedem à Igreja a bênção para o seu casamento que este só deve ser celebrado se estiverem dispostos a seguir determinadas regras. Bem, uma regra é suficiente: amarem-se um ao outro como Jesus amou, ensinou a amar e continua a amar.

Quando uma pessoa declara que já não ama o cônjuge… essa pessoa não devia ter casado, pois comprometeu-se a esse amor por toda a vida. Se a razão desse cessar de amar for, por exemplo, infidelidade ou maus tratos, a situação é a mesma: é o outro cônjuge que não devia ter casado se não estava preparado para manter o compromisso de amor até à morte.

Para casar não é necessário estar apaixonado, basta amar. É natural e bom que seja um amor especial, diferente do amor entre irmãos ou entre pais e filhos, mas tem que existir amor, aquele amor que é doação da sua própria pessoa ao cônjuge. O que significa ser paciente com o outro e aceitar as falhas do outro. Sendo que isto tem de suceder nos dois sentidos.



Voltemos ao contracto. No sacramento do matrimónio, os contraentes não são dois, são três. O homem, a mulher e Jesus. Isto devia ficar bem inculcado nas cabeças e nos corações do casal, o que não devia ser difícil uma vez que chegam a ser celebrados casamentos no decorrer da missa em que ambos os noivos comungam.

Ora, em termos humanos, um contracto a três reveste características diferentes de um contracto a dois. Não porque isso se possa reflectir numa votação entre os contraentes, não vamos tão longe, mas porque em caso de discordância devem ouvir-se as três partes envolvidas. O marido, a mulher e Jesus.
Isto não é tão teórico como pode parecer. Mas precisa ser mais bem explicado aos noivos em particular e a todos os fiéis em geral.

Vem-nos à memória uma situação que um amigo[1] relatou e que é uma boa dica para dar amplitude visual ao princípio de que vimos falando: a presença de Jesus como terceiro parceiro do casamento sacramento.

O ritual do casamento católico em Siroki-Brijeg[2] é diferente. Mas podia deixar de o ser se fosse adoptado nas outras comunidades católicas. A começar na de cada um. Se cada sacerdote ou diácono, ao presidir a um casamento, ou se cada casal de noivos ao celebrar o seu casamento, quisesse fazê-lo à maneira dos habitantes de Siroki-Brijeg, podíamos mudar o conceito de casamento, a vivência familiar, o mundo.

Em Siroki-Brijeg não há divórcios.
Vamos descobrir porquê.

No dia do casamento, os noivos chegam à igreja e levam com eles um Crucifixo. Tal como as alianças são benzidas durante a cerimónia, como elemento essencial, também o Crucifixo é benzido.
As promessas mútuas são proferidas com a mão do noivo sobre a mão da noiva e a desta sobre o Crucifixo. O sacerdote coloca as suas mãos sobre as dos noivos, trazendo a bênção da Igreja a esta união 'a três'.
A promessa de permanecerem juntos até ao fim da vida, amando-se e auxiliando-se é tripartida: ele, ela e Jesus. A Igreja, por seu lado, assume também o compromisso de dar caridosamente todo o apoio à jovem família nascente. Porque a bênção não é, não pode ser, palavra morta, mas vivência dinâmica. Pela presença do ministro sagrado, a Igreja assume a representação física de Jesus, participando nas promessas de fidelidade, nas alegrias, tristezas, saúde, doença, pobreza, riqueza.
O padre ou diácono diz então algo do género:
- Encontrastes a vossa cruz. É uma cruz para amar, mantê-la sempre convosco, uma cruz de que não vos apartareis até que a morte vos separe, que guardareis com ternura gravada nas vossas próprias almas.

O Crucifixo guardado em casa, em local visível e onde seja fácil reunir para o venerar será o coração do amor do lar que se vai iniciar, a Fonte de bênçãos e amor naquele casal e na família que eles vão originar.

Os noivos beijam as alianças. Beijam o Crucifixo. As alianças simbolizam a aliança que acabam de subscrever. O Crucifixo simboliza a presença real de Jesus que eles pedem: a omnipresença de Deus no seu casamento para sempre. Se um deles olhar para outra pessoa, pondo em causa a fidelidade conjugal, estará presente a sua infidelidade aos parceiros, o cônjuge e Jesus. Quando um deles, impacientando-se, se exasperar, fá-lo contra o cônjuge e contra Jesus.
Beijam-se apenas após beijarem as alianças e beijarem o Crucifixo, assumindo em parceria a Cruz da vida em comum, com as suas alegrias e tristezas, momentos de felicidade e de dor.
Juntos, de joelhos, diante do Crucifixo encontram o Conselheiro Conjugal, o Psicólogo, o Advogado, nos momentos de dificuldade e de maior dificuldade em compreender ou ser paciente.
Juntos, de joelhos, diante do Crucifixo darão graças pelos momentos de felicidade que ao logo da vida e de cada ano vão ocorrendo.
Juntos, de joelhos, diante do Crucifixo serão testemunho de Vida para os filhos da sua união.

Entre nós, desenvolveu-se e quase morreu um costume idêntico. A consagração dos lares ao Sagrado Coração de Jesus. Pode realizar-se por alturas do casamento, ou em qualquer momento. Trata-se de obter uma imagem do Sagrado Coração de Jesus e afixá-la na casa num local de fácil acesso e bem visível, tanto para os seus ocupantes, como pelas visitas. Existe uma fórmula para fazer a consagração do lar que pode ser feita por um ministro da Igreja. E pode usar-se água benta para benzer a casa e as pessoas que lá vivem. Na impossibilidade, as próprias pessoas podem fazer a consagração. É fácil obter a respectiva fórmula.



Outras famílias têm feito a consagração do seu lar a Maria, Mãe de Deus. Que é uma forma de consagração a Deus, invocando a mediação da sua Mãe.

As vantagens e virtudes de trazer Deus, de qualquer modo, de modo bem visível, para dentro do casal, do lar e da família não são sensíveis de um dia para o outro, bem pelo contrário. Ao longo da vida, do amadurecimento dos pais, do crescimento dos filhos e do envelhecimento das pessoas, vai-se descobrindo a felicidade da força que ajuda a ultrapassar os momentos mais difíceis e a dirigir louvores a Deus nas ocasiões de maior alegria.
Não se sente a presença de Deus como passe de magia. Deus vai entranhando-se cada vez mais dentro de nós, de tal modo que, mesmo nos quisessem convencer a expulsá-lo, não poderíamos, porque ele já está entranhado no nosso ser e na essência da família e do lar. E fica em herança para os nossos filhos.

Orlando de Carvalho







[1] João Silveira
[2] Siroki-Brijeg é uma localidade na Bósnia-herzegovina, à distância de 25 quilómetros de Medjugorge. Do outro lado do Mar Adriático fica a cidade italiana de Lanciano.

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