quinta-feira, 25 de setembro de 2014

São pecadores e seguem o papa







Administro um grupo no Facebook em que só é possível publicar sobre o papa Francisco. Penso que o podemos considerar já um grupo grande.
Ao admitir novos membros, costumamos olhar o perfil das pessoas que se candidatam, para tentar evitar que entrem pessoas só com a intenção de publicar qualquer tipo de publicidade, que teremos depois o trabalho de eliminar.
Constatamos um facto que merece reflexão teológica e sociológica, pelo menos.
Muitas pessoas, que já estão no Facebook há anos e não pertencem a qualquer grupo, pedem para aderir a este.
Também pessoas que pertencem a grupos de nudistas, homossexuais declarados, que publicam anedotas e fotografias que não estão conforme o que se denomina normalmente moral ou moral cristã.
Desde logo colocam-se-me duas questões. Quem é esta gente, donde procedem? Que está este papa a fazer?
Esta gente são os povos e as nações até aos confins do mundo. 
Este papa está a abrir os braços a todos os povos e nações, a todas as gentes, todos pecadores, porque os santos se relacionam directamente com Deus, não precisam do papa a intermediar. Está a mostrar à Humanidade o sorriso misericordioso de Deus.
(Cabe aqui um parêntesis para assinalar que há uns séculos atrás, entre todos os colonizadores, os portugueses e os jesuítas portugueses fizeram algo de semelhante que foi interrompido pelas forças de pressão europeias, francesas e espanholas, em especial, junto da Sé Apostólica).
Deus abençoe este papa e o faça instrumento de chamamento de muitos à Casa do Pai.

Orlando de Carvalho


sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Uma bicicleta do diabo!


Nunca naquela aldeia do interior de Portugal se tinha visto uma bicicleta, nem ao natural, nem em imagens, nem se tinha ouvido falar de tal coisa.
Estava-se em finais da monarquia ou princípios da república, mais coisa, menos coisa.
Um rapaz de uma ladeia ali perto, que andava a arrastar a asa a uma moçoila dali, lembrou-se de comprar uma bicicleta, coisa que já tinha visto em Coimbra, e pois, montado numa máquina daquelas, certamente teria mais facilidade em conquistar a rapariga que já amava.
Dito e feito, no Domingo de manhã, mesmo à hora da missa estar para começar, quando aquela que ele queria tocar no coração estivesse com a família e as amigas já no adro da igreja, ele iria passar num galanteio deveras exibicionista.
E o efeito da bicicleta foi de arromba!
Foi a moça e foram as amigas atrás da bicicleta, foram os rapazes da aldeia, jovens e menos jovens, até alguns mais velhos que se mexiam melhor, à mistura com os cães a ladrar, enfim, a aldeia foi em peso atrás da bicicleta. Bem, não foram todos: o padre e o sacristão ficaram para a missa e mais um ou outro fiel.
Indignado, o padre tratou de ir saber que máquina era aquela, logo nesse Domingo à tarde.
E à noite, quando todos se preparavam para ir para a cama, ou alguns já lá estariam, tocam os sinos a rebate. Em alvoroço, todos acorrem à igreja, onde as portas estavam abertas e a iluminação toda acesa.
Foram entrando, enquanto se deparavam com o padre, no altar paramentado de negro. Quem teria morrido, perguntavam-se?
Com a igreja cheia, o padre falou:
- Irmãos, o demónio anda à solta aqui na aldeia! Aquela máquina que viram hoje de manhã, com um diabrete montado nela, é uma das maiores obras de Satanás. Todos estão proibidos de se aproximar de máquinas daquelas. Estive a rezar e percebi que o Demónio inventou aquela máquina para acabar com os fiéis na missa. Quem for por Deus não volta a chegar perto de uma coisa daquelas e vem à missa. Quem se quiser sujeitar à tentação do maligno e olhar para uma bicicleta, que só existe para afastar os filhos de Deus da Santa Igreja, pois que siga o trilho da perdição.

Assim acabou a vida das bicicletas naquela aldeia, pois aquilo era obra do diabo, tão grande que as pessoas até deixavam de ir à missa. Pobre do padre que não foi capaz de guiar as suas ovelhas com melhor discernimento e motivação para o encontro com o Senhor.

Orlando de Carvalho
História ouvida num retiro.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O lugar do sacrário

Sacrário do Hospital Cuf Descobertas

Durante a celebração da missa, é proibida a exposição do Santíssimo Sacramento.
Importa saber que há várias formas de expor o Santíssimo, as razões porque se faz essa exposição e a justificação da regra que proíbe essa exposição simultânea com a missa.
Esclareçamos bem todas estas situações, porque elas se vão reflectir na própria arquitectura interior do templo e na disposição do respectivo mobiliário.
Desde os primeiros tempos da Igreja, logo que os cristãos começaram a entender o sentido do Pão consagrado e a sentir a necessidade dEle nas suas vidas, para além do ritualismo celebrativo, começou a delinear-se um duplo esquema perante a realidade do Pão fora da missa: por um lado, um sistema de alimentação com o Pão da Vida os que não podiam participar na Celebração da Partilha, por doença ou por retenção forçada, de modo especial os que estavam presos por causa da Fé; por outro lado, um sistema que permitisse alimentar os doentes graves súbitos ou acidentados, em perigo de morte antes de se celebrar novamente a eucaristia.
Deste modo surge o conceito de reserva eucarística, para atender os casos que precisavam de uma solução imediata. O Pão precisava de ser guardado com uma dignidade apropriada, tanto em relação ao recipiente como ao espaço onde se guardasse o próprio recipiente. Há escritos que relatam casos em que os fiéis levam para suas casas e conservam lá o Pão consagrado, para se alimentarem e para ser usado nos casos já referidos. Há também instruções precisas sobre o modo como o pão devia ser guardado, de modo a não ser atacado, por exemplo, por ratos.
Logo que surge a hipótese de erigir e manter capelas ou oratórios mais ou menos estáveis, é aí que o Pão passa a ser conservado. Surgem os sacrários: lugares da maior sacralidade onde permanece o Deus Vivo, em corpo, sangue, alma e divindade, como virá a ser definido mais tarde. A compreensão de que se trata do Deus vivo levanta alguns problemas em relação a deixá-lO sozinho nalgum lugar. Por outro lado, torna evidente que a relação com o Deus invisível, o diálogo com Ele pode ser feito de um modo mais perceptível. Foi certamente com grande alegria que os nossos antepassados na Fé fizeram a descoberta da possibilidade de contemplar a adorar Jesus presente no Pão conservado nos sacrários.
Hoje, a exposição do Pão consagrado para adoração pelos fiéis faz-se de modos diversos. Simplesmente, dentro do sacrário, junto do qual qualquer fiel que entre na igreja se pode chegar e conversar com o Senhor; dentro do mesmo sacrário, com a porta aberta, significando e permitindo uma maior intimidade; em alfaias litúrgicas apropriadas, chamadas custódias ou ostensórios. Custódias porque custodiam, guardam, o Corpo do Senhor; muitas vezes, de modo artístico e teológico, do centro onde se coloca a hóstia consagrada, irradiam raios, como de um sol, explicando que Jesus é a nossa luz, o nosso sol, e nestes casos podemos chamar ostensórios a estas alfaias. A exposição para adoração também pode ser feita com a deposição do Pão numa outra alfaia, a patena.
Sobre os fiéis reunidos para a adoração também muito haveria a dizer, mas vamos cingir-nos a falar de uma atitude de humildade, de piedade e de escuta do Senhor.
Durante a missa, o altar onde se vão colocar o pão e o vinho a fim de serem consagrados, transubstanciando-se no Corpo e Sangue de Nosso Senhor, ocupam o lugar central. É na expectativa deste milagre que acontece de cada vez que celebramos missa que o povo acorre às igrejas, à hora da eucaristia. A presença do sacrário pode causar alguns problemas práticos e teológicos, mesmo de consciência. Centrar a atenção sobre os acontecimentos que sucedem no altar, mesmo antes da consagração estar concluída ou no sacrário? Qual é a ordem de importância destes dois lugares? Ao deslocar-se na igreja, o fiel reverencia preferencialmente o altar ou o sacrário? E Jesus está verdadeiramente num lugar e noutro.
Esta situação complica-se quando se alinham no mesmo eixo que atravessa a Assembleia o altar, a cátedra do presidente e o sacrário; e quantas vezes, atrás do sacrário a cruz e o orago, ou um destes.
Recordo a situação que me constrangeu e que se passou com um sacerdote meu amigo. Tendo tomado posse há pouco tempo como pároco, dou com ele a presidir à festa de Natal da catekese, sentado na cátedra, no tal alinhamento, mas a cátedra na frente do altar. Estava numa magnificência total. Eu não conhecia esta faceta do padre Manuel Gonçalves, até pensava que ele nunca ousaria assumir tal exuberância. Fiquei aborrecido, mas não tive coragem de lhe dizer nada. Só se fez luz no meu cérebro quando, muito mais tarde – talvez em vésperas da festa de Natal do ano seguinte – ele me falou do seu desconforto quando o tinham feito sentar na frente do altar a presidir à festa da catekese, com o argumento de que era assim que se fazia lá na paróquia, impedindo-o praticamente de tomar outra opção. Dei-lhe toda a força para que se sentasse onde e como se sentisse mais confortável (e eu também).
Voltando à questão da exposição do Santíssimo Sacramento. É proibido que se faça em simultâneo com a celebração da missa. Se por acaso se estiver a fazer uma exposição e adoração de 24 horas e, no meio, se celebrar missa, o Santíssimo deve ser recolhido e voltar a ser exposto só após a missa.
Ao determinar deste modo, em coerência, a Igreja está a orientar no sentido de que se evite o tal alinhamento nas igrejas. E há muitos modos de o evitar. O mais elegante é desalinhar o sacrário. Quando a reserva que contém o Pão vivo está num dos lados da capela-mor ou numa capela lateral destinada a esse efeito, facilita a vida a quem vai à igreja, fora da missa, para adoração do Santíssimo no sacrário ou simplesmente para orar. Pretender que o sacrário esteja no alinhamento central acaba por ser um modo de retirar mérito ao santo sacrifício da missa.
Também há igrejas que optam por deslocar a cátedra para uma das laterais do presbitério. Esta hipótese tem contra si o corte no diálogo entre o presidente da assembleia eucarística e a Assembleia, em muitos casos. É muito importante que os fiéis vejam bem o que se passa sobre o altar e vejam bem a cara do presidente, que representa a Assembleia, no qual está presente o Senhor e com quem a Assembleia dialoga.
Nos tempos que se seguiram ao Concílio Vaticano II gerou-se alguma polémica que tem a ver com este assunto. O orago da igreja deve ou não estar na capela-mor por trás e acima do sacrário? Em muitas igrejas, tiraram-no e substituíram-no por uma cruz. Parece-me que se o efeito estético é agradável e não existem erros teológicos ou litúrgicos, não há razão para alterar a disposição do que faz parte do templo. Quando existe, deve fazer-se. Mas evitando a polémica, porque o essencial tem que ser superior ao gosto de cada um.

Para concluir, é importante que todos entendam a importância de um lugar reservado para ficar em silêncio em adoração. O que não é o mesmo que ficar numa igreja grande diante de um sacrário monumental e central, presidindo a todo o recinto. Isto não se aplica a tempos reservados a adoração comunitária com a devida exposição do santíssimo no lugar de maior destaque da igreja.