sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Uma bicicleta do diabo!


Nunca naquela aldeia do interior de Portugal se tinha visto uma bicicleta, nem ao natural, nem em imagens, nem se tinha ouvido falar de tal coisa.
Estava-se em finais da monarquia ou princípios da república, mais coisa, menos coisa.
Um rapaz de uma ladeia ali perto, que andava a arrastar a asa a uma moçoila dali, lembrou-se de comprar uma bicicleta, coisa que já tinha visto em Coimbra, e pois, montado numa máquina daquelas, certamente teria mais facilidade em conquistar a rapariga que já amava.
Dito e feito, no Domingo de manhã, mesmo à hora da missa estar para começar, quando aquela que ele queria tocar no coração estivesse com a família e as amigas já no adro da igreja, ele iria passar num galanteio deveras exibicionista.
E o efeito da bicicleta foi de arromba!
Foi a moça e foram as amigas atrás da bicicleta, foram os rapazes da aldeia, jovens e menos jovens, até alguns mais velhos que se mexiam melhor, à mistura com os cães a ladrar, enfim, a aldeia foi em peso atrás da bicicleta. Bem, não foram todos: o padre e o sacristão ficaram para a missa e mais um ou outro fiel.
Indignado, o padre tratou de ir saber que máquina era aquela, logo nesse Domingo à tarde.
E à noite, quando todos se preparavam para ir para a cama, ou alguns já lá estariam, tocam os sinos a rebate. Em alvoroço, todos acorrem à igreja, onde as portas estavam abertas e a iluminação toda acesa.
Foram entrando, enquanto se deparavam com o padre, no altar paramentado de negro. Quem teria morrido, perguntavam-se?
Com a igreja cheia, o padre falou:
- Irmãos, o demónio anda à solta aqui na aldeia! Aquela máquina que viram hoje de manhã, com um diabrete montado nela, é uma das maiores obras de Satanás. Todos estão proibidos de se aproximar de máquinas daquelas. Estive a rezar e percebi que o Demónio inventou aquela máquina para acabar com os fiéis na missa. Quem for por Deus não volta a chegar perto de uma coisa daquelas e vem à missa. Quem se quiser sujeitar à tentação do maligno e olhar para uma bicicleta, que só existe para afastar os filhos de Deus da Santa Igreja, pois que siga o trilho da perdição.

Assim acabou a vida das bicicletas naquela aldeia, pois aquilo era obra do diabo, tão grande que as pessoas até deixavam de ir à missa. Pobre do padre que não foi capaz de guiar as suas ovelhas com melhor discernimento e motivação para o encontro com o Senhor.

Orlando de Carvalho
História ouvida num retiro.

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