segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Como escolher as figuras para armar o Presépio?

O mais antigo conjunto de figuras esculpidas para Presépio?
Ano: 1250. Esculpido por entalhador desconhecido, em Bolonha.
1370: Pintado por Simone di Filipo ou dei Crocifissi
 
O Presépio que os cristãos armam nas suas casas, em escolas, dentro de igrejas e nos seus adros, nas ruas e avenidas, são um memorial do Presépio original numa tradição que talvez remonte a 1223.

Em 1207, o papa Inocêncio III proibiu as dramatizações teatrais e litúrgicas dentro das igrejas. Acontecia então que a liturgia, em certo sentido, se estava a transformar em pequenos teatros que explicavam ao povo as narrações que os fiéis escutavam nas missas em latim, uma língua já então morta. Como acontece actualmente, em especial nas missas com crianças. Naquele tempo, em face destas circunstâncias, estava a perder-se o sentido da liturgia, isto é, da dignidade própria do que se celebrava. A missa progredia para um teatro ou circo. O papa achou por bem repor o que lhe pareceu próprio da missa e proibiu as dramatizações dentro das igrejas.

Parece que Francisco de Assis, sendo uma pessoa de enorme espiritualidade e contemplativo, vivia muito as coisas do ponto de vista dos sentidos. Ele pensava no Natal e na cena do Presépio e sentia necessidade de a visualizar e, mais, de transmitir aos outros fiéis essa visualização.

Falecido o papa, Francisco pede ao seu sucessor, Honório III, autorização para uma representação do Presépio na véspera de Natal, em Greccio, celebrando-se missa campal, em simultâneo com uma encenação viva do presépio de Belém. Sobre uma manjedoura com feno foi erigido um altar, estando presente o Menino de Belém, como São Francisco lhe chamou naquela noite, pela consagração do pão e do vinho. Confiando no testemunho de um habitante de Greccio participante na celebração, também através de uma aparição sobre o feno, o Menino esteve presente. O feno e os animais foram cedidos por um agricultor da região. Terá sido o primeiro Presépio, de acordo com alguns. S. Francisco morreu em 1226 e durante a sua vida não se fizeram mais presépios-vivos. Mas a semente ficara.

Primeiro através dos franciscanos, esta encenação tornou-se tradição e difundiu-se pela Europa e pelo mundo. Com ela, a tradição e a vivência da celebração do Natal do Senhor permaneceu e fortificou.

É muito útil que hoje os cristãos se empenhem na construção de presépios, em suas casas e em todos os lugares. Cada Presépio é, ou pode ser, um altar, um oratório e uma capela, em função da força da Fé de quem o contempla. É sem dúvida um lugar tão sagrado como um Santuário, na medida em que for reverenciado pelos que se acolhem junto de si. Um Presépio deve ser venerado como os ícones o são pelos ortodoxos.

Contudo, por mais que eu queira, as imagens do presépio são moldadas pelas mãos humanas (ou por máquinas) em barro, madeira e vários outros materiais, desde reciclados a ouro. Sendo uma ferramenta de evangelização, não podemos sobrestimar a sua importância. Mais, não podemos ignorar os mandamentos de Jesus.

Há hoje muitos presépios, como tem havido ao longo da História, que não podem ser desvalorizados.

Jesus ensinou que estará sempre presente no mais pequenino, no mais indefeso e que será através da caridade que mostrarmos para com esse irmão que Ele se sentirá amado ou atraiçoado por cada um de nós.

Proponho um itinerário de pesquisa que eu mesmo já percorri: a procura dos Presépios ocultos hoje; melhor, a procura dos Presépios que hoje existem e que nós não conseguimos ou não queremos ver, deixando-os na sombra, ocultos.

De que vale a minha piedade perante um Presépio feito com figuras de papel, de barro, de madeira, de metal, ou seja do que for, se não virar prioritariamente a minha atenção para o Presépio que é a família do andar de cima, com todas as dificuldades que conheço? O casal de idosos sem dinheiro para medicamentos? – se estamos à espera que venham pedir, quando sabemos ou suspeitamos que precisam, não estamos a fazer Natal com eles, a venerar na sua pobreza o Coração do Jesus que afirmamos amar. Já não se trata de fazer a habitual caridade da época de Natal. O que Jesus nos propõe é muito mais que isso e talvez muito mais difícil. Amar o doente com SIDA, o bêbedo, o toxicodependente, o miserável, tão miserável que até cheira mal e repugna chegar perto dele, a família desunida, as crianças e os idosos maltratados. Aí está Jesus! É nestes que Jesus encarna hoje, por maior devoção que nós tenhamos à primeira Encarnação no seio virginal de Maria. Precisamos muito de converter os nossos corações, tantas vezes de pedra, para entendermos este amor à maneira de Jesus.

Sabemos que a tarefa é difícil. Muito difícil.

Foi também em 1223 que se deu a aprovação final da Regra dos Franciscanos, pelo papa Honório III, depois de revista e censurada pelo cardeal Ugolino. A atenção a alguns dos pontos censurados e eliminados pode ajudar-nos a entender que o mundo não está preparado – estará alguma vez? – para encarar este Presépio, à maneira de Jesus. Competirá a cada um de nós esforçar-se para que as condutas das pessoas mudem; senão as dos outros, ao menos a nossa.

As citações bíblicas foram substituídas por afirmações legalistas, pelo cardeal Ugolino; a persistência no trabalho manual, recuperada no século XX pela Madre Teresa de Calcutá, foi eliminada, assim como a proibição do uso de livros. A Regra emitia esta opinião acerca dos livros, por serem, na altura, objectos de luxo. Mas Francisco não se opôs à pregação de Santo António nem ao ensino que ele fazia das Escrituras. A prioridade do cuidado aos leprosos foi eliminada. A desobediência aos superiores, nos casos ensinados nos Actos dos Apóstolos, foi eliminada também pelo cardeal Ugolino e subscrito pelo Papa. Era o apego à posição privilegiada de que alguns usavam, fazendo crer que era por vontade de Deus.

Este Presépio é, de facto, mais difícil de suportar que aquele a que nos habituámos.

Orlando de Carvalho

A origem humilde do Papa Francisco

Um dos defeitos da democracia, que também o é das ditaduras, refere-se à ignorância e incompetência dos governantes e dos políticos em geral.
De cada vez que muda a equipa do ministério da educação, a política do sector é alterada, por vezes, completamente mudada. Quantas vezes de acordo com os interesses de familiares do ministro ou de algum secretário de estado! O código da estrada parece mais um circo de espectáculo legislativo, onde nem é preciso ter alguma vez guiado um automóvel para opinar e legislar sobre o assunto. Há chefes de governo que nunca trabalharam, nunca tiveram de equilibrar os gastos com as receitas obtidas ou previstas. Ainda assim, afoitam-se a governar as finanças de milhões de famílias!
Isto que acontece na política repete-se nos outros sectores da sociedade, nomeadamente e infelizmente na Igreja. Também sucede serem colocados em determinados cargos pessoas que não sabem nada e com boa vontade aprendem; o contrário também sucede: pessoas que sabem, mas se deixam corromper.
Esta questão que estamos a abordar vem a propósito do Papa Francisco. Trata-se de um homem com larga experiência de vida. Não é o único papa nesta circunstância. Recordamos João Paulo II e a sua vivência da guerra, da clandestinidade, de trabalho, de estudo, que foram muito úteis à Igreja, na medida em que representaram experiência de vida do papa, beneficiando os fiéis que ele governou a partir de Roma.
Na sua juventude, Mario Bergoglio trabalhou enquanto frequentava a Universidade. 




O jovem Bergoglio foi porteiro de discoteca e trabalhador de limpezas, entre outros empregos. Este papa é um exemplo a seguir, em primeiro lugar por políticos e outras pessoas de quem posso depender o destino de outras pessoas.
Também deve ser um exemplo para cada um de nós. Bendito seja Deus que nos contempla com estes testemunhos providenciais. 
Orlando de Carvalho

domingo, 27 de dezembro de 2015

O Natal: presença de Jesus no mundo de hoje




Talvez a presença mais visível de Cristo no mundo actual sejam o Natal e o Presépio, logo depois da Cruz, ou mesmo antes da Cruz.
O Natal é a celebração do nascimento de Jesus, o Cristo, filho de Maria e de José, judeus que viveram há cerca de dois mil anos sob a bandeira do Império Romano.
Faz parte da tradição a celebração do aniversário das pessoas, como modo dos familiares e amigos demonstrarem a amizade e homenagearem a pessoa. Nem sempre a celebração aniversária coincide com a sua data exacta. Há bebés que foram registados em data diferente daquela em que nasceram porque, tendo os pais deixado passar o prazo legal para o fazerem, evitaram deste modo a multa prevista por o registo ter sido feito após o prazo que a lei determinava. Com a generalização dos partos em estabelecimentos hospitalares esta situação deixou de se verificar, em Portugal, a não ser talvez entre ciganos, nalgumas situações pontuais. Mas estão ainda vivas muitas pessoas que têm duas hipóteses para celebrar o aniversário: a data em que realmente nasceram ou a data que consta no Registo Civil.
Por vezes celebra-se um aniversário numa data diferente da verdadeira por conveniência. Se um aniversário ocorre num dia de trabalho, ou de escola, é mais fácil juntar os amigos no fim-de-semana seguinte. Também a celebração de entidades, figuras históricas, e outras, são algumas vezes transferidas para uns dias antes ou após a data aniversária real, por conveniência.
Chega de exemplos para explicar que a escolha da data para celebração do Natal a 25 de Dezembro é uma opção inócua. De tal modo que o facto que a originou, o início do aumento dos dias solares é válido na Europa e noutros continentes, mas não o é para África, América do Sul, Filipinas… e já vão muitos milhões de cristãos.
Esta comemoração festiva não se restringe ao dia de Natal, mas prolonga-se por um período que vai da véspera do dia 25 de Dezembro até ao Domingo, dito do Baptismo do Senhor (uma data variável para cada ano e para cada país, na primeira quinzena de Janeiro).
Em sentido mais lato, a comemoração da Encarnação de Deus no seio de Maria, esposa de José, começa quatro semanas antes do Natal. Designamos por Advento este período preliminar, de preparação espiritual e de ordem prática para a grane festa que é o Natal.
Mas esta celebração natalícia não é a única. Esta refere-se ao aniversário de uma pessoa: Jesus. Há também o Natal dos interesses. Chega aos cidadãos anónimos a partir do mês de Outubro. São as grandes promoções de brinquedos, de roupas, de material informático, de aparelhos eléctricos; as iluminações de rua. E as pessoas passam três meses a gastar dinheiro que nada tem a ver com a celebração aniversária. Quantas vezes dinheiro que tinha melhor utilização para quem o gasta!
Há quem goste de presentear os amigos quando celebra os seus próprios aniversários em vez de receber deles presentes. Nesta versão natalina dos interesses passa-se algo semelhante. Com grande antecedência as pessoas começam a tratar das suas próprias prendas e não dos presentes do aniversariante que deveríamos estar a homenagear.
Todas as pessoas têm o seu natal particular, isto é, uma data de nascimento e a sua comemoração anual. O Natal, com letra maiúscula, é essa comemoração da data de nascimento de uma pessoa muito especial: Jesus, o filho de Maria e José.
Podemos comparar a dimensão dos benefícios financeiros que conseguem obter aqueles que exploram o natal dos interesses com o proveito pastoral alcançado pelos seguidores do Natal do Evangelho. Os primeiros começam em Janeiro de cada ano a planear e a produzir para que em Outubro a sua mercadoria esteja já disponível junto dos consumidores. O trabalho do evangelizador é contínuo, mas tem momentos mais importantes, estratégicos. Um deles é sem dúvida o Natal. Infelizmente, o sucesso evangelizante não parece ser tão obsessivo para os agentes pastorais como o lucro para os comerciantes. Por outro lado, ainda que assim seja, o Natal é a oportunidade para se revelarem a generosidade e a bondade de muitas pessoas, e de consolo para muitas outras pessoas que recebem dádivas de alimentos e outros produtos de primeira necessidade. Mesmo quando não existe uma estratégia pastoral delineada, o Espírito Santo opera milagres agindo no coração dos seus fiéis e seguidores.
O ícone verdadeiro do Natal é essa generosidade, imagem da generosidade de Deus que se faz carne no ventre de Maria, na pessoa do Filho. Daqui resulta que o ícone visível do Natal seja o Presépio. A semente de Presépio lançada por Francisco de Assis, e depois pelos franciscanos, germinou e tem levado as gentes de todos os continentes a consubstanciar o seu amor e adoração a Deus em pequenas representações que levam tanto dos seus corações que facilmente encontramos sagradas famílias de asiáticos, africanos, europeus cujas figuras humanas exibem fisionomias de todos os povos e nações. O Presépio é provavelmente a alma do Natal, do Natal que celebramos, pois é ele que nos recorda constantemente que o natal dos interesses não é Natal, que o Natal é o do parto de Maria, sob o olhar protector de José.

Orlando de Carvalho

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Canonização de Madre Teresa de Calcutá


Ao ser tornada publica a próxima canonização de Madre Teresa de Calcutá, em Setembro de 2016, no decorrer do Jubileu da Misericórdia, recordamos o capítulo a ela dedicado na obra ‘Os Santos de João Paulo II’.



Madre Teresa de Calcutá fez-se, de certa maneira, palavra de Deus. O seu corpo, o seu coração, o seu pensamento, já não eram mais que o próprio Evangelho pregado aos pobres e aos doentes.
Olhando para ela, aqueles a quem ela acudia, mas também aqueles que, de fora, observavam a sua acção, tinham um relato quase visual, quase uma projecção de vídeo do que é a caridade cristã, do que é o Amor de Deus. Sabemos que alguns sectores na Igreja criticam a acção de Madre Teresa, bem como a sua beatificação por Sua Santidade João Paulo II. Esses pensam que quem está a morrer de fome acredita facilmente no Evangelho pregado por alguém com a barriga cheia! Madre Teresa personificou a Caridade de Jesus Misericordioso, sempre tão preocupado com aqueles que sofriam. Não costumamos dizer que a melhor forma de os pais, os catequistas ou os educadores em geral, ensinarem é através do exemplo? Pois, Madre Teresa de Calcutá testemunhou – e só não viu quem não quis – o que é o Amor, como é fazer a vontade de Deus, o que é a Santidade. Aqueles que a criticam por não andar com uma Bíblia na mão, pregando a Fé, sem se preocupar em primeiro lugar com o sofrimento dos filhos do Altíssimo, esses infelizmente ainda não entenderam nem o Evangelho nem a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, nem o Pentecostes, nem o Arco-íris.
As Irmãs da Caridade fundadas por Madre Teresa não usavam, por exemplo, máquina para lavar a roupa. A razão não era a falta de dinheiro para comprarem uma. A razão era de natureza espiritual, mas não era o sofrimento pelo sofrimento. A razão é sublime: lavar a roupa à mão para compartilhar, não apenas partilhar, mas “partilhar com”, a dificuldade de lavar a roupa à mão, conhecer intimamente o que é a vida do pobre, para lhe dar a mão e caminharem lado a lado, não para lhe estender a mão de cima de um pedestal, como que a largar-lhe uma esmola, como se não fôssemos todos da mesma substância humana criada à imagem e semelhança.



Gonxha Agnes Bojaxhiu nasceu a 26 de Agosto de 1910, em Skopje, na Albânia, hoje capital da Macedónia, numa família católica. A sua mãe chamava-se Drana Bojaxhiu e o pai Nicolau. Recebeu o Baptismo no dia seguinte ao nascimento, a Primeira Comunhão aos seis anos e também aos seis anos o Crisma. Vivia na Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, então entregue pastoralmente aos Jesuítas.
Aos oito anos ficou órfã de pai.
Na Paróquia estava integrada num grupo de jovens que se interessavam pelo trabalho missionário. Nesse grupo, os jovens tomaram contacto com a realidade da miséria relatada nas cartas que lhes chegavam da missão que os Jesuítas tinham aberto há pouco tempo em Calcutá, na Índia. Foi aqui que nasceu uma certa ligação emotiva e espiritual de Gonxha Agnes pelo povo sofredor da distante Índia. E o desejo de ser missionária, que já anos antes revelara, começou também a desenvolver-se.
Em 1928 junta-se às Irmãs do Loreto e ingressa num convento, em Rathfarnham, na Irlanda, para aprender a língua inglesa. Esta congregação tinha muitas missões na Índia.
Recebe o nome de Maria Teresa, em homenagem a Santa Teresa de Lisieux, um ano antes designada padroeira das missões, pelo Papa Pio XI. Três meses mais tarde, em Dezembro de 1928, viaja até Bengala, onde chega a 6 de Janeiro de 1929, seguindo para Calcutá e depois para Dajeerling, para continuar os estudos. Em 1931 profere os seus primeiros votos.
É integrada no Loreto de Entally, em Calcutá, para exercer o serviço de professora de História e Geografia da Escola feminina de Santa Maria.
A 24 de Maio de 1937 a Irmã Maria Teresa faz a profissão de votos perpétuos. Começam a chamá-la Madre Teresa.
Em 1944 é nomeada directora da Escola. Madre Teresa vivia feliz e tranquila, ensinando na única escola católica para meninas, na Índia. Todavia, os seus olhos estavam muito atentos à miséria que a rodeava, às outras meninas, aos pobres, aos doentes, que cruzavam, melhor, que enchiam as ruas de Calcutá.
Em 1946 Madre Teresa passa por um acontecimento espiritual que a obrigará a fazer uma viragem na sua vida.
Dentro do chamamento que ela estava a viver nas Irmãs do Loreto, ela sente outro chamamento. Ela relata o que se passou consigo:

Foi a 10 de Setembro de 1946, durante a viagem de comboio para o convento de Darjeeling, onde ia fazer os exercícios espirituais. Enquanto rezava em silêncio a nosso Senhor, senti um chamamento dentro do meu chamamento.
A mensagem era muito clara: devia deixar o convento de Loreto, em Calcutá, e entregar-me ao serviço dos pobres, vivendo entre eles”.



Quando expõe o seu propósito de corresponder a este chamamento interior à Madre Superiora, ela recusa categoricamente. A mesma posição assume o arcebispo de Calcutá.
Pedem-lhe que espere para confirmar essa vocação. O seu pedido chega ao papa Pio XII, através do arcebispo. A 12 de Abril de 1948, obtém autorização do Papa para viver fora do convento, sob a directriz do arcebispo, dedicando-se por inteiro aos pobres.
A 17 de Agosto de 1948, tendo comprado um sari branco, debruado a azul, umas sapatilhas e uma cruz, deixa o convento.
Faz uma estadia com as Irmãs Médicas Missionárias, em Patna, e volta a Calcutá abrigando-se junto das Irmãzinhas dos Pobres.
Finalmente, a 21 de Dezembro, tem a sua prova de fogo.
Parte sozinha para a missão, na rua, entre os mais pobres.
Passa nos bairros miseráveis, começando a cuidar de crianças e idosos, ajuda uns a lavarem-se, outros a morrerem com maior dignidade, tira-os do meio da rua, para que o sofrimento não seja espectáculo público, mas possa ser consolado nalgum recanto isolado.
São muito difíceis estes primeiros tempos e Madre Teresa chega a pensar em desistir. Por um lado o desânimo pela solidão em que realiza o seu trabalho. Por outro lado a visão de tanta sujidade, de tanta dor, de como pode descer tanto a dignidade humana sem suscitar a compaixão de ninguém, antes uma indiferença pelo que parece ser já o quotidiano. Mas reflecte: 

A minha comunidade são os pobres. Aqueles de quem ninguém se aproxima, porque são contagiosos e estão sujos; os que não podem pedir esmola, porque não têm roupa para se cobrirem; os que já não comem, porque lhes falta força para tanto; os que já não choram, porque já não têm lágrimas!

 
As suas primeiras companheiras são antigas alunas, que sabem o que anda a fazer e a procuram, muitas com a oposição das famílias.
Começa por reunir crianças abandonadas, ensinando-lhes cuidados de higiene, e a ler e escrever, no chão, porque não dispunha de instalações nem de material escolar. E dá-lhes algo de muito importante: amor e atenção.
A sua maior preocupação são os doentes, os incuráveis, os que não têm onde se abrigar, os que nem têm onde morrer: era comum os doentes idosos ficarem na rua sozinhos até morrerem e serem transportados para uma vala comum.
Madre Teresa consegue da autarquia de Calcutá um espaço para onde passam a levar todos os que encontram na rua, a morrerem. Nem é a questão de os tratar, pois muitos são tuberculosos e leprosos já sem cura, trata-se de morrerem sob um tecto, com alguma tranquilidade e dignidade, dando a mão a alguém que não lhes pede nada em troca, alguém que vem de Deus, mas nem lhes pede que agradeçam, mudando a sua fé. Alguém que lhes dá a mão, nos últimos momentos, com amor e respeito.
Para suportar o seu apostolado, pede esmola. Ao mesmo tempo, há quem se aperceba do seu trabalho humanitário e as contribuições também começam a surgir. Do governo indiano, embora Madre Teresa fosse uma missionária católica, mas também porque ela já era mais que isso, era de facto uma missionária universal da caridade. Realiza inúmeras viagens ao estrangeiro para divulgação da sua obra e angariação de fundos.
Para uma maior eficácia da Obra, podendo chegar a mais lugares para realizar a caridade cristã, Madre Teresa funda sucessivamente, a partir de 1963, os Irmãos Missionários da Caridade; as Irmãs Contemplativas e os Irmãos Contemplativos Missionários da Caridade; os leigos Colaboradores de Madre Teresa e os Colaboradores dos Doentes e Sofredores; os Missionários da Caridade Laicos; e o Movimento Sacerdotal Corpus Christi.
A 7 de Dezembro de 1950 é oficialmente estabelecida a Congregação das Missionárias da Caridade.
A partir de 1960, as Missionárias da Caridade difundem-se em toda a Índia.
A partir de 1965 abrem casas em todo o mundo, em todos os continentes e em quase todos os países, mesmo nos comunistas.
Em 1979 recebe o Prémio Nobel da Paz. Nessa ocasião diria que a sua obra era uma gota de salvação num mar de sofrimento.
Em 1983, aos setenta e três anos, em Roma, sofre o primeiro ataque de coração grave. O médico disse-lhe:

“A senhora tem coração para mais trinta anos”. 

Madre Teresa levou essas palavras à letra e nunca mais ninguém a conseguia fazer parar ou abrandar.
É convidada a visitar a União Soviética, em Agosto de 1987, onde é condecorada com a Medalha de Ouro do Comité Soviético da Paz.
Em 1989 sofre segundo e muito forte ataque de coração.
Em 1990 pede ao Papa para ser substituída, mas volta a ser reeleita e continua na sua azáfama habitual.
Partiu para Deus a 5 de Setembro de 1997. Cremos firmemente que ouviu Jesus dizer-lhe, mais ou menos, isto:
“Teresa, Eu estava nu e tu vestiste-Me; Teresa, Eu estava esfomeado, e tu foste ter coMigo e levaste-Me comida; Teresa, eu estava doente e tu estendeste-Me a tua mão, a tua alma e o teu coração. Vem a meus braços, minha filha, minha irmã”.
Sua Santidade João Paulo II beatificou Madre Teresa de Calcutá a 19 de Outubro de 2003. Da sua homilia na cerimónia de beatificação, citamos:

“ «Quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se servo de todos» (Marcos 10, 44). Estas palavras de Jesus aos discípulos, que ressoaram há pouco nesta Praça, indicam qual é o caminho que leva à “grandeza” evangélica. É o caminho que o próprio Cristo percorreu até à Cruz; um itinerário de amor e de serviço, que inverte qualquer lógica humana. Ser o servo de todos!
Madre Teresa de Calcutá, Fundadora dos Missionários e das Missionárias da Caridade, que hoje tenho a alegria de inscrever no Álbum dos Beatos, deixou-se guiar por esta lógica. Estou pessoalmente grato a esta mulher corajosa, que senti sempre ao meu lado. Ícone do Bom Samaritano, ela ia a toda a parte para servir Cristo, nos mais pobres entre os pobres. Nem conflitos nem guerras conseguiam ser um impedimento para ela.
De vez em quando vinha falar-me das suas experiências ao serviço dos valores evangélicos. Recordo, por exemplo, as suas intervenções a favor da vida e contra o aborto, também quando lhe foi conferido o prémio Nobel pela paz (Oslo, 10 de Dezembro de 1979). Costumava dizer: «Se ouvirdes que alguma mulher não deseja ter o seu menino e pretende abortar, procurai convencê-la a trazer-mo. Eu amá-lo-ei, vendo nele o sinal do amor de Deus»”.



A 3 de Fevereiro de 1994, Madre Teresa proferia uma conferência em Washington sobre aborto e vida:

Sinto que o maior inimigo da Paz é hoje o aborto, porque é uma guerra contra as crianças, são as mães a assassinar os seus próprios filhos inocentes e sem hipótese de se defenderem.
Ora, se é lícito uma mãe matar o seu filho, que razão nos impede de nos matarmos todos uns aos outros?
Mas como impedir uma mulher de recorrer ao aborto? Como sempre, persuadi-la com amor, recordando que amar é doar-se até que doa. Assim, pois, a mãe que pensa em abortar deve ser ajudada a reflectir, a amar, a doar-se, mesmo prejudicando os seus projectos, o seu tempo livre, para respeitar a vida do seu filho. E o pai deve doar-se também, até que doa.
Uma sociedade que contemporize com o aborto não estimula o amor, mas o uso da violência para atingir os objectivos quaisquer que eles sejam. O aborto é pois o maior destruidor do amor e da paz.
Muitas pessoas estão muito preocupadas com as crianças da Índia, com as crianças de África, onde muitas delas morrem de fome, etc. Muitas pessoas também estão preocupadas com toda a violência nos Estados Unidos. Estas preocupações são muito boas. Mas frequentemente estas mesmas pessoas não estão preocupadas com os milhões que estão sendo mortos pela decisão voluntária das suas próprias mães. E isto é que é o maior destruidor da paz hoje – o aborto, que coloca as pessoas em tal cegueira.
A criança é o dom de Deus para a família. Cada criança é criada à imagem e semelhança de Deus para grandes coisas: para amar e ser amada.
Eu vou contar uma coisa bonita. Nós estamos a lutar contra o aborto através da adopção: tomando conta da mãe e tratando da adopção do seu bebé. Nós temos salvado milhares de vidas. Enviámos a mensagem para as clínicas, para os hospitais e esquadras: “Por favor não destruam a criança, nós ficaremos com ela.” Nós temos sempre alguém para dizer às mães em dificuldade: “Venha, nós tomaremos conta de si, nós arranjaremos um lar para o seu bebé”. E nós temos uma enorme procura por parte de casais que não podem ter um filho. Porém, eu nunca dou uma criança a um casal que tenha feito algo para não ter filhos. Jesus disse, “Aquele que recebe uma criança em meu nome, a mim recebe.” Ao adoptar uma criança, estes casais recebem Jesus mas, ao abortar uma criança, um casal recusa-se a receber Jesus.
Por favor não mate o bebé. Eu quero o bebé. Por favor dê-me o bebé. Eu estou disposta a aceitar qualquer bebé que esteja para ser abortado e dar esse bebé a um casal que o ame e seja amado por ele.
Exclusivamente do nosso lar de crianças em Calcutá, já salvámos mais de três mil bebés do aborto. Estes bebés trouxeram muito amor e alegria aos seus pais adoptivos, e crescem cheios de amor e de alegria."



Algumas das muitas frases conhecidas de Madre
Teresa de Calcutá:
– Não devemos permitir que ninguém saia da nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz
– Nunca compreenderemos o quanto um simples sorriso pode fazer.
– O amor, para ser verdadeiro, tem de doer. Não basta dar o supérfluo a quem necessita, é preciso dar até que isso nos doa.
– A pior calamidade para a humanidade não é a guerra ou um terremoto. É viver sem Deus. Quando Deus não existe, admite-se tudo. Se a lei permite o aborto e a eutanásia, não nos surpreende que se promova a guerra!

In Orlando de Carvalho, Os Santos de João Paulo II, Lusodidacta, 2004