quinta-feira, 10 de março de 2016

Via-sacra da Misericórdia




Jubileu da Misericórdia
(3) Via-sacra da Misericórdia

A via-sacra é um exercício espiritual e uma oração oportuna em qualquer tempo e em qualquer lugar, na medida em que consubstanciam o Mistério de Deus e o atributo divino por excelência, o Amor, que também conhecemos pelos nomes Caridade e Misericórdia. Ainda assim, a Quaresma tem sido o tempo de excelência para viver o itinerário sagrado de Jesus, pois é neste enquadramento que a Igreja vive mais intensamente a dádiva de Deus.
A celebração da Via-sacra na Quaresma, no Jubileu da Misericórdia, surge então como a conjunção de três essências distintas, a via-sacra que podemos sempre rezar, a Quaresma que vivemos anualmente e um Ano Santo que é um dom de certo modo ocasional, que se conjugam no mesmo sentido de acção de graças e louvor a Deus em reconhecimento de tudo o que Ele nos oferece, a começar pela própria vida.
A celebração proposta tem as catorze estações tradicionais, incluindo um prólogo e um epílogo, estabelecidas de modo a seguirmos o Evangelho segundo S. João, capítulos 17 a 21, na íntegra.

Prólogo

Jo 17,1-26

No final da Última Ceia, toda ela revestida de Misericórdia, desde o anúncio da aceitação do sofrimento que Lhe estava reservado, à simbologia da lavagem dos pés aos discípulos e aos ensinamentos, Jesus faz a apologia da relação das pessoas da Santíssima Trindade e explica que todo o amor entre o Pai o Filho e o Espírito Santo se reúnem em misericórdia para com as criaturas humanas.
Prestes a partir, o homem Jesus não pede ao Pai por Si, mas pelos discípulos, para que sejam protegidos do Maligno e recebam força para perseverar na fé. Mas a misericórdia de Jesus não se restringe aos seus discípulos de então, o Senhor roga também por todos nós, “por aqueles que vão acreditar em Mim por causa da palavra desses discípulos”, afirma Jesus no versículo 20. Finalmente deseja que o amor com que Pai e Filho se amam esteja presente em nós.

Deus Pai de Misericórdia, fazei-nos merecedores da súplica de vosso filho Jesus, para não vacilarmos na fé, quaisquer que sejam as consequências, por estarmos firmes na promessa de que Deus está por nós. Que demos testemunho diário de que somos portadores do amor com que Jesus e o Pai se amam, através dos nossos gestos misericordiosos.

1ª Estação – No Jardim das Oliveiras

Jo 18,1-14

No final da ceia, Jesus abandona o Cenáculo com os discípulos, e rezam salmos, como era costume, enquanto atravessam o Vale de Cédron e chegam ao Jardim das Oliveiras.
Perante a aproximação do momento em que vai sofrer uma morte injusta, Jesus não se remete a ter pena de si mesmo, a ficar-se pelo simples miserabilismo, a procurar a quem deitar culpas, pelo contrário, enfrenta a situação, preparando-Se para ela e ensina-nos o que devemos fazer quando a vida não nos corre da melhor maneira. Confiar no amor de Deus, na sua imensa misericórdia. Deixar-se ficar nas mãos de Deus, confiante, como sugere Santa Teresa de Ávila, é sempre a melhor opção, de modo especial nos momentos decisivos e mais graves das nossas vidas. Pedro quer defender Jesus pela força das armas, mas o Senhor não consente.

Meu Deus, dai-me força e coragem para não fugir às minhas responsabilidades, para enfrentar as consequências dos meus actos, sejam eles de mérito ou de vergonha, que mesmo perante a perseguição injusta eu não me cale, nem pare de cantar a verdade.
Jesus, falar verdade custou-Te a morte na cruz! Falar verdade, valeu a ressurreição. Ajudai-me, Senhor, a transpor, com a dignidade da filiação divina, a morte, em direcção à ressurreição para a eternidade.

2ª Estação – 1ª Negação de Pedro

Jo 18,15-18

Pedro surge-nos como sendo provavelmente o mais corajoso entre todos os discípulos. Ainda assim, quando a situação ficou muito mal, quando Jesus estava já a ser interrogado e o seu suplício tinha começado, perante a hipótese de ir fazer companhia ao Mestre, sofrendo a tortura e a morte, Pedro vira as costas a Jesus, como se não o conhecesse, como se não fosse seu amigo. Em Pedro, naquele momento, a carne venceu o espírito. Aquele que supostamente socorreria Jesus em primeiro lugar, que ainda umas horas antes tinha desembainhado a espada para o defender, mostra medo da dor e abandona o amigo aos verdugos.

Quantas vezes eu Te neguei, Senhor, quantas! Quantas vezes, sem me dar conta do que fazia, como aconteceu com Pedro! Ah! Senão fosse a tua misericórdia, Pedro não se salvaria, nem eu. Louvado sejas, Senhor da Misericórdia.

3ª Estação – Jesus perante Anás

Jo 18,19-24

Quando Jesus responde ao sumo-sacerdote Anás com palavras de verdade, um soldado esbofeteia-O, porque a verdade incomoda.

A todos nós surgem pessoas que incomodam, umas porque mentem e injustamente nos acusam, outras porque falam verdade e trazem ao de cimo as nossas fraquezas. Podemos tentar eliminá-las do nosso caminho, como o soldado fez a Jesus, mas também podemos fazer como Jesus, a quem bastou a certeza de ter do seu lado a verdade. Maltratado, humilhou-Se voluntariamente e não abriu a boca (Is 53,7).
Senhor, misericórdia, pelas vezes em que esbofeteei alguém, com ou sem razão.

4ª Estação – Pedro confirma a sua negação

Jo 18,25-27

Pedro estava perplexo e aterrorizado com a rápida sucessão dos acontecimentos; estava sem tempo para pensar e tinha que decidir: entregar-se, como Jesus à fúria daquela gente os fingir que não era nada com ele, mais, fingir que ele não era ele?

Deus sabe bem que somos colocados muitas vezes perante situações difíceis como esta. E, de algum modo, Deus manifesta-Se nestes momentos, chegando em nosso apoio. E são tantas as vezes que Deus nos acena e nós não O vimos! O galo cantou e Pedro, no meio de toda a atrapalhação porque estava a passar, ouviu-o. Por estar atento, entendeu o pecado que tinha cometido e pode assim arrepender-se. Ao contrário de Judas que reconhecendo-se traidor se suicidou por não suportar a sua conduta, Pedro arrependeu-se. A misericórdia tem dois sentidos. O sentido de quem a concede e o de quem a pede e recebe.

Deus de Misericórdia, vinde em meu auxílio. Senhor, fazei-me manso e humilde de coração, a fim de que eu me humilhe a pedir o vosso perdão misericordioso pelos meus pecados e corajoso suficientemente para o receber com todas as implicações que isso comportar. Ainda que, como Pedro, precise de coragem para também enfrentar a cruz.

5ª Estação – Jesus perante Pilatos

Jo 18,28-40

Tendo-lhe sido apresentado um preso, Pilatos verifica que ele está inocente, mas não se sente suficientemente capaz de resolver logo o assunto, porque, para ele, a política está acima da justiça. Pilatos não quer desagradar aos chefes dos judeus. Tem dificuldade em conciliar o seu charme, o seu visual político e a justiça. Recorre então da misericórdia, tentando deturpá-la. Quer usar a amnistia pascal para libertar Jesus, mas comete um erro, que é o facto de não poder amnistiar quem não prevaricou. Tenta que aqueles que conspiram contra Jesus O salvem. Também Pilatos está sobre pressão como Pedro tinha estado. Uma luta entre a carne e o espírito: seguir pela verdade e enfrentar as consequências, pois até ameaçaram denunciá-lo a César como traidor, ou salvar a pele a qualquer preço?

Senhor, mais uma vez Te peço que me fortaleças na fé, no coração e na mente, para que, perante a adversidade, perante situações de difícil escolha, eu tenha coragem para optar sempre de modo semelhante ao teu, que é o caminho da misericórdia. Para Pilatos, o caminho da misericórdia era apenas o da verdade, pois para mim também o é muitas vezes, mas eu complico. Vinde, Pai de Jesus, em meu auxílio.

6ª Estação – Flagelação e coroação de espinhos

Jo 19,1-3

Muitas vezes lemos e ouvimos este trecho da Sagrada Escritura, mas nem sempre o escutamos.
A tortura que Jesus sofreu não se resume a lindo quadro pintado por um pintor famoso ou anónimo que está numa igreja ou num museu.
A tortura que Jesus sofreu é a tortura que tantas pessoas sofrem nos nossos dias.
A tortura que Jesus sofreu é a mesma tortura que hoje sofremos e infligimos aos outros.
Pais que maltratam os filhos, marido e mulher que se maltratam, avós que são maltratados, patrões e empregados que se maltratam, vizinhos que se maltratam. É urgente que cada um de nós examine a sua consciência, se arrependa e se converta.
Também somos carrascos quando sabemos que alguém é torturado ou maltratado e nos calamos em vez de denunciarmos ou irmos em auxílio. Cristo morreu por nós, dizemos que somos cristãos, mas falta-nos a coragem para o ser.

Senhor, misericórdia. Senhor, dai-me coragem para dar testemunho de Ti, neste tempo em que as perseguições aos teus discípulos são maiores que em qualquer outro tempo da História. Lembra-Te de mim, Senhor, tem misericórdia de mim e não me deixes enveredar pelo caminho fácil da mentira e do fingimento.

7ª Estação – Eis o Homem

Jo 19,4-8

Pilatos tem já a certeza que Jesus está inocente. Na sua humanidade igual à nossa, Jesus sente dores na carne quando é magoado. Pilatos, com a arrogância e insensibilidade de quem é dono do poder, pega em Jesus, com o corpo em chagas e trá-lo para fora, expondo-o aos olhares da multidão. Talvez pensasse comover a turba enfurecida, talvez tivesse a seu favor a dignidade humana não ser ainda valorizada no seu tempo, pois isso só acontece com a expansão do cristianismo, todavia, quem sente dores, sabe bem quanto sofre outra pessoa que as sinta. Cristo é barbaramente torturado e parece que ninguém se condói. Pilatos pensa afinal: ou Ele morre e eu prossigo ou eu O salvo e é o meu fim.

Senhor, misericórdia para as pessoas que neste tempo e neste mundo sofrem perseguição, prisão e tortura, seja por causa da sua nacionalidade, da cor da sua pele, da sua religião.
Senhor, misericórdia para as famílias desfeitas pelas guerras e pela ganância das pessoas.
Senhor, misericórdia para os que são perseguidos por causa do teu nome.
Senhor, misericórdia para os que perseguem, torturam, fazem sofrer e matam, para que se convertem a Ti, único Deus, Altíssimo e Misericordioso Senhor.

8ª Estação – Condenação à morte

Jo 19,9-16

Como alguns políticos neste tempo que vivemos, Pilatos sabem bem onde está a verdade e a honestidade, enfim a justiça, mas os votos são para ele mais importante que qualquer valor moral ou vida humana. Quando Pilatos se sente ameaçado por contarem a César que ele coloca Jesus num nível mais elevado que o imperador, Pilatos desiste e entrega-lhes o Inocente, como cordeiro levado ao matadouro (Is 53,7).

Senhor, tem compaixão dos teus filhos, pessoas que criaste para a felicidade e estão a viver fazendo-se mutuamente infelizes. Senhor, como há muitos séculos, jovens inocentes continuam a ser arrancados à vida e enviados para guerras onde, sob diversas máscaras, servem os interesses dos poderosos que enriquecem à custa da guerra e do sofrimento e morte que ela causa.
Crianças estão a ser ensinadas a matar! Compaixão, Senhor! Compaixão! Misericórdia!

9ª Estação – Crucificação      

Jo 19,17-24

Não mates. (Ex 20,13 e Dt 5,17)
A Lei revelada na Sagrada Escritura é clara: Não mates!
Infelizmente, as pessoas conseguem facilmente inventar argumentos para não cumprir a lei divina. Pensam, pensamos nós, que somos mais espertos que Deus, que o conseguimos enganar. Pensamos mal, pois Deus não é esperto, nem muito nem pouco, Deus é sábio, conhece tudo dos confins do cosmos até ao interior do coração de cada um.
Mataram Jesus.
Gente matou e mata pessoas só por serem de outra religião.
Matam-se pessoas para as roubar.
Matam-se pessoas na forca, a tiro, por choque eléctrico, por injecção letal, por decapitação, como se não fossem bárbaras quaisquer que sejam as formas de executar penas de morte!

Senhor, misericórdia! Senhor, misericórdia!
Pai, envia o Espírito Santo sobre este teu povo, para melhor entendermos as tuas leis e o que queres de nós, para que olhemos mais para a eternidade que nos aguarda e menos para o que podemos possuir e gozar nesta vida.

9ª Estação – Jesus, Maria e o discípulo amado

Jo 19,25-27

Na sua magnífica sapiência, quis o Deus Pai que o seu Filho tivesse uma mãe quando ganhasse um corpo para entre as pessoas revelar a natureza da Santíssima Trindade.
Maria, sem compreender bem a natureza da sua maternidade divina, agia sempre como mãe de homem e acompanhou o itinerário do seu filho, desde a Anunciação do anjo até… encontramo-la agora aos pés da cruz. Cheia de ternura para dar, cheia de dor no seu coração, cansada até à exaustão, com a vida agitada do seu filho e com o drama das últimas horas.
Jesus tinha pedido ao Pai por todos os discípulos que viessem no futuro a segui-lO. Suspenso na Cruz, Ele dá-nos uma Mãe, ao discípulo que está com ela (seria João?) e também aos discípulos dos primeiros tempos da Igreja que a conheceram pessoalmente e a todos nós que a aceitamos como Mãe e a veneramos.

Mãe de Deus, Rainha dos Céus, descansa o olhar sobre os teus filhos a quem vieste falar de oração e de paz, em Fátima, há 100 anos atrás, sê para nós um meio de alcançarmos a misericórdia de Deus quando a nossa persistência no erro nos afastar do desígnio de felicidade que o Criador nos preparou.

10ª Estação – Morte de Jesus    

Jo 19,28-30

O que mais assusta as pessoas desde sempre cumpriu-se no próprio Deus encarnado. Jesus viveu a agonia da morte. Uma morte horrorosa, que infelizmente não lhe foi destinada apenas a ele. Muitas pessoas morreram e continuam a morrer crucificados como o Senhor.
Deus experimentou a morte, na sua natureza humana. Como a relação entre o Pai e o Filho é de amor, caridade, misericórdia, e nessa misericórdia o Pai permitiu a morte do Filho, então a morte não pode ser uma coisa tão má. Deus convida-nos a encarar com esperança a passagem à felicidade eterna através da morte corporal.

Senhor, misericórdia para os bebés abortados.
Senhor, misericórdia para as crianças vítimas de infanticídio.
Senhor, misericórdia para as mães que são levadas ao aborto dos seus filhos.
Senhor, misericórdia para as pessoas que não têm coragem para enfrentar a morte, ou a vida, e buscam solução no suicídio, mesmo quando lhe chamam eutanásia.
Senhor, misericórdia para quem mata doentes e idosos, invocando a misericórdia.
Senhor, misericórdia para quem advoga e mata deficientes porque são uma carga de trabalho e despesa.
Senhor, misericórdia.

11ª Estação – Sangue e água de Vida

Jo 19,31-37

Quando a lança golpeia o peito de Jesus, jorra sangue, mas também água. Água? Água. Como o Senhor anunciara à samaritana:
A samaritana perguntou: «Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber a mim que sou samaritana?» (De facto, os judeus não se dão bem com os samaritanos). Jesus respondeu: «Se conhecesses o dom de Deus e quem te pede de beber, tu é que Lhe pedirias. E Ele dar-te-ia água viva». (Jo 4,9-10)
A água que jorrou do peito de Jesus era a água viva de que Ele tinha falado àquela mulher. De um morto podia ter jorrado água viva?
«E a água que Eu lhe darei vai tornar-se dentro dele uma fonte de água que jorra para a vida eterna», continuou Jesus. (Jo 4,14b)
É da morte de Jesus, pela qual Ele pode ressuscitar que vem a nossa aspiração à ressurreição e vida eterna.

12ª Estação – Sepultamento de Jesus

Jo 19,38-42

José de Arimateia realizou uma obra de misericórdia em relação ao corpo defunto de Jesus, que recordamos neste ano jubilar da misericórdia.
É sempre bom recordar as Obras de Misericórdia, ao menos as corporais: Dar de comer a quem tem fome; Dar de beber a quem tem sede; Vestir os nus; Dar pousada aos peregrinos; Assistir aos enfermos; Visitar os presos; Enterrar os mortos.

Senhor, ajudai-me a não me esquecer dos que têm fome ou sede, dos que não têm abrigo, dos doentes e mesmo dos presos, enfim, a que eu não me esqueça de acudir a todos os que estão a precisar da minha ajuda, para que Tu também não te esqueças de mim e daqueles que eu mais amo, na hora da morte.

Epílogo      

Jo 20,1-21,25

Quando todos ou quase todos pensavam já que Jesus tinha sido uma má aposta, que falava muito bem, mas que não tinha sido mais que um falso profeta, porque não tinha alcançado a protecção de Deus e morrera às mãos dos déspotas que zombavam do Senhor e oprimiam os mais fracos, Ele surpreendeu todos surgindo vivo. Não sabemos bem como, mas sabemos que não era um fantasma, mas também não era como antes, talvez se assemelhasse ao corpo refulgente com que o Pai o revelara no Monte da Transfiguração.

Deus, infinitamente misericordioso, olha com bondade para os teus filhos que insistentemente se afastam de Ti, mas com sede de água viva que jorre para a vida eterna.
Somos fracos e ansiamos a tua misericórdia, para que possamos alcançar a felicidade na vida eterna e desfrutar de todas as promessas, contemplando finalmente o Pai e Jesus e o Espírito Santo.

Orlando de Carvalho

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